Pequenas propriedades rurais podem ser penhoradas para pagamento de dívidas decorrentes da atividade produtiva? 

por Dra. Priscila Rocha e Dra. Claudia Rodrigues 

Em recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso nº 1038507, com repercussão geral reconhecida (Tema 961), as pequenas propriedades rurais não podem ser penhoradas para pagamento de dívidas decorrentes da atividade produtiva, desde que trabalhadas pelo devedor e sua família.  

O processo deu origem porque uma empresa fornecedora de insumos agrícolas realizou negócio com um pequeno produtor rural

No caso, o pequeno produtor não honrou com as obrigações assumidas, logo, a empresa de insumos agrícolas não encontrou outra solução senão a de buscar seus créditos com o auxílio do poder judiciário, pedindo que a área rural fosse penhorada para garantir o pagamento das dívidas. 

Num primeiro momento, foi decidido que a propriedade rural não poderia ser penhorada. Inconformada, a empresa de insumos agrícolas apresentou Recurso para reformar aquela decisão.  

Para convencer os julgadores, a empresa alegou que aquele imóvel rural não era o único de propriedade do pequeno produtor, ora devedor. Portanto, tendo ele outros imóveis rurais, não se enquadraria no conceito de pequena propriedade rural (requisito exigido pela lei para que um imóvel rural seja impenhorável), podendo ser penhorado, já que o próprio proprietário teria indicado como garantia hipotecária para o pagamento de suas dívidas. 

O caso retrata claramente um conflito entre as partes e seus direitos, uma vez que, de um lado está a empresa de insumos, que tem o direito de receber o seu crédito, inclusive por meio do patrimônio imobiliário do devedor e, de outro lado, o direito do próprio devedor, que é pequeno produtor rural e não pode ser privado do imóvel rural onde trabalha e retira o seu sustento. 

O conflito foi resolvido com o julgamento do Recurso que teve como Relator o Ministro Edson Fachin, mantendo a decisão e reconhecendo a impenhorabilidade do imóvel do pequeno produtor, sob o fundamento do art. 5º, XXVI da Constituição Federal, concluindo que a redação do referido artigo serve para proteger a família de pequenos produtores e o seu mínimo existencial, ou seja, permitir que a família tenha um mínimo de qualidade de vida por meio da proteção da pequena propriedade rural, de onde retiram o seu sustento. 

Lembrando que o Código Civil (art. 833, VIII) também protege o direito de propriedade do pequeno produtor, declarando a impenhorabilidade da pequena propriedade rural, desde que trabalhada pela família. 

E nessa lógica, por exclusão, temos que esses dispositivos legais não protegem a credora, que neste caso é a empresa de insumos. 

Assim, ao ser julgado improcedente o recurso da empresa de insumos e mantida a impenhorabilidade do imóvel rural do pequeno produtor, foi afastado de uma vez por todas o argumento de que, se o devedor tiver mais que um imóvel rural, a pequena propriedade rural pode ser objeto de penhora.  

Asseverou o Relator que o imóvel do pequeno produtor, cumpriu os requisitos que o classifica como pequena propriedade rural impenhorável, quais sejam:  

A) ser trabalhado pelo devedor e sua família – sem o auxílio constante de terceiros, retirando o seu sustento da atividade desenvolvida sobre o imóvel, garantindo assim a sua subsistência. Para evitar maiores discussões, o próprio produtor também poderá comprovar a atividade que desenvolve no imóvel por meio de fotografias, notas de produtor rural, declarações de testemunhas, declaração de Sindicato Rural ao qual é filiado, entre outros e,  

B) enquadrar-se no conceito de pequeno – a propriedade é considerada pequena quando sua extensão é de até 4 módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento (art. 4º, II, a, da Lei 8.629/93 – Lei da Reforma Agrária). 

Para ter conhecimento se o imóvel tem ou não até 4 módulos fiscais e ser classificado como pequeno, basta acessar o site do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA e consultar quantos hectares tem um módulo fiscal no Município de localização do imóvel.  

Assim, considerando esses conceitos e o preenchimento dos mencionados requisitos, é que a decisão do Recurso relatado manteve a impenhorabilidade do imóvel rural, asseverando que: mesmo que o grupo familiar seja proprietário de mais de um imóvel, para fins de impenhorabilidade, é suficiente que a soma das áreas não ultrapasse o limite de extensão de 4 (quatro) módulos fiscais. 

Também ficou considerado que a regra geral, quando se trata de dívida contraída pela família, em prol da atividade produtiva desenvolvida na pequena propriedade rural, pelo grupo doméstico, é a da impenhorabilidade, que não pode ser distorcida por regras e requisitos que não estão previstos pela lei. 

Por fim, a decisão que julgou o Recurso da empresa de insumos deixou claro também que o fato de a pequena propriedade rural ter sido ofertada em garantia hipotecária pelo proprietário devedor, de igual forma, não afasta a sua impenhorabilidade, por se tratar de um direito fundamental e indisponível. 

Assim, por intermédio do referido julgamento, fixou-se a importante tese de que: é impenhorável a pequena propriedade rural familiar constituída de mais de 1 (um) terreno, desde que contíguos e com área total inferior a 4 (quatro) módulos fiscais do município de localização. 

Mas não se esqueça: a impenhorabilidade da pequena propriedade rural é a regra, mas como para toda regra, há exceções, essas devem ser interpretadas de forma restritiva e analisadas caso a caso. 

Priscila e Claudia são advogadas e atuam no desenvolvimento estratégico, crescimento sustentável empresarial/agronegócio e proteção patrimonial (contato@rochaerodrigues.com.br). 

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